BAHIANO.
Manuel Pedro dos
Santos, mais conhecido como Bahiano.
Em um sábado 15 de julho de 1944,
falecia no Rio de Janeiro o mais popular cantor do começo do século XX, Manuel
Pedro dos Santos, mais conhecido como BAHIANO.
Bahiano foi o primeiro cantor a
gravar discos no Brasil e na América Latina, em 1902.
O célebre lundu Isto é Bom, do ator
e compositor Xisto Bahia, foi gravado juntamente com dezenas de outras músicas
na primeira sessão de gravação para discos em nosso País. Isto
é Bom foi à primeira música a ser lançada, em disco Zon-O -Phone
10001.
De 1902 até meados da década de
1920, Bahiano gravou centenas de músicas dos mais variados estilos, fazendo
antológicos duetos com vários (e também lendários) artistas de sua época.
Cançonetista do tempo dos chopes
berrantes, cafés concertos, Bahiano logo ficou popular no Rio de Janeiro e em São Paulo. Sua fama
o levou às gravações em cilindros e nos discos (chapas), tornando sua
popularidade maior ainda.
Versátil, ele estava sempre muito à
vontade em suas gravações; assumindo personagens, brincava e implicava com
Senhorita Consuelo e Júlia Martins, levando delas divertidas respostas.
Braga, Escudeiro, O. de Azevedo,
Cadete, Eduardo das Neves, Mário Pinheiro, entre outros, fizeram desafios ou
duetos com ele.
Assim, como Risoleta, Maria Roldan,
Maria Marzulo, Isaltina e, até arrisco, Medina de Sousa, também gravaram em sua
companhia. Aliás, Medina o levou a soltar sua voz em uma interpretação lírica.
Isso sem falar com os novos
talentos de uma nova era, pós Belle Époque, como Vicente Celestino e Januário.
Além do pioneirismo, ele gravou
muitos sucessos em discos, dos quais vários se tornaram clássicos de nosso
cancioneiro: Perdão Emília, A Mulata, O Angú do Barão, O Sino da Tarde, Ai
Philomena, Pelo Telephone... A lista, só dos clássicos, é imensa.
Digo mais. Bahiano, assim como mais
tarde Aracy Côrtes, participou da transição de épocas marcantes. Ele, até mais
que Aracy.
Começando a gravar em 1901
(cilindros) e depois em 1902 (discos), juntamente com o início da indústria
fonográfica brasileira, ele trazia toda a bagagem cultural e modismos do século
XIX. Até então, a única forma de se divulgar a música eram as partituras,
teatro musical e bandas de músicas.
As composições ficavam um pouco
presas em cada cidade, principalmente no Rio de Janeiro, onde eram propagadas
entre os moradores.
Como vantagem, haviam as partituras
para piano e canto, que rodavam o país (e mundo); também, as heróicas excursões
feitas pelas trupes teatrais e, não menos importantes, os cantadores, boêmios,
e os amantes da música popular, que saiam espalhando as melodias e letras por
onde conseguissem chegar.
O povo era também um grande
divulgador.
Com a chegada da gravação em disco,
isso mudou. Ficou mais fácil levar as chapas para as várias regiões do Brasil,
onde seriam ouvidas por muitas pessoas, entre um misto de espanto e prazer.
Havia um detalhe: os inúmeros
sucessos dos tempos do Brasil Colônia, do Império e início da República, não
poderiam cair no esquecimento.
Muitos estavam fresquinhos na
memória da população graças ao teatro de revista e suas atrizes, e aos
cançonetistas que entretinham o público dos cafés concertos.
Dessa forma, Bahiano e seus colegas
gravaram muitos sucessos de peças teatrais, modinhas e poesias de grandes e
saudosos talentos; bem como precisavam ir registrando os sucessos da atualidade
e seus modismos.
Dessa forma, ele viveu vários
personagens em suas gravações.
Saindo do Império, com suas
modinhas em cançonetas, ingressou na República, com os lundus que faziam as
delícias das platéias teatrais, afinal, ninguém esquecera da Sabina e o
fazendeiro Euzébio; ingressou na Belle Époque, cantando o Art Nouveau e sua
interessante moda, como também registrou acontecimentos marcantes de sua
atualidade, afinal, "A Europa curvou-se ante o Brasil" e entre o
clamor de parabéns em meio tom, "apareceu Santos Dumont".
Engraxou, foi abanador apaixonado
por uma Vassourinha e, até, Feiticeiro, onde partiu com sua Cigana para
encontrar a buena dicha nas linhas do coração.
Veio a Primeira Grande Guerra e ele
cantou para os soldados que partiam.
Nesse meio tempo, gravou modinhas
lindíssimas e, ele mesmo, também registrou suas impiedosas paródias.
Com o sucesso teatral de sua amiga
Julinha Martins, colocou a Philomena na história de tal forma que, no futuro
(muito futuro) iam incluir um coelhinho no meio, em uma paródia muito
sem-vergonha (para usar um termo de outrora).
Ai, Philomena, seu eu fosse como
tu...
E assim ele foi gravando, sempre
animado e inspirado.
Se haviam acabado as cançonetas,
surgia o samba. Por onde? Pelo Telephone mesmo! Afinal, tudo podia ser motivo
para um samba ou uma marcha, até um Pé de Anjo.
Sempre reencontrando os colegas,
gravou com o coro do Theatro São José, onde sua velha amiga Julinha Martins se
sobressai no coro. Aliás, esses dois gravaram nada menos que a Cabocla de
Caxangá.
Nas palavras de hoje, Júlia Martins
e Bahiano tinham uma química incrível nas gravações.
Mas, os anos 20 já vinha com seus
jovens e novos astros. Mesmo assim, o sr.
Manuel Pedro ainda emplacou
sucessos, antes de se afastar.
Nessa fase final de sua carreira,
nada menos que Luar de Paquetá; Ai, Seu Mé; Sai da Raia; De Bam Bam Bam; Vida
Apertada...
Mas, ele se afastou.
Nosso querido País, ao mesmo tempo
em que acolhia os novos talentos da década de 30, esquecia-se de seus antigos
intérpretes.
Os meios de comunicação, a mídia e
as informações aumentavam e se propagavam de forma assustadoramente rápida, mas
isso em nada ajudava a lembrar dos pioneiros. E olha que haviam se passado
apenas três décadas.
Nesse esquecimento ele faleceu.
Nascido na Bahia (05 de dezembro de
1870), na cidade de Santo Amaro da Purificação, Manuel Pedro dos Santos,
faleceu meses antes de completar 74 anos.
Para os pesquisadores, amantes da
boa e pioneira MPB, ele será sempre lembrado.
Nunca sairá de moda.
Em nossos assuntos musicais ele
nunca precisará de permissão para fazer parte, basta repetirmos euforicamente a
exclamação de Júlia Martins em uma de suas gravações: "Entra - Bahiano!".
Por Marcelo Bonavides de Castro
A primeira música sertaneja gravada
no Brasil.
Se alguém perguntasse "qual a
primeira música gravada no Brasil?", a resposta seria enfática: chama-se
"Isto é bom", composta por Xisto Bahia, interpretada por Manuel Pedro
dos Santos, o Bahiano, em 1902, pela Casa Edison, pioneira em gravações de
discos para gramofones no Brasil.
A música é o registro número 1 no
catálogo, e por regra (normatização) é, historicamente, a primeira gravação.
Bahiano também é o intérprete do primeiro Samba gravado no Brasil: "Pelo
telefone", de "Donga e Mauro de Almeida", segundo os registros
da Biblioteca Nacional.
Mas, responder "qual é a primeira música sertaneja gravada no
Brasil" não é tão fácil quanto parece. Antes, precisamos considerar a
normatização e o convencionalismo que também estão presentes quando o assunto é
música, como expressão artística e cultural. São os chamados
"rótulos".
As normas e convenções deveriam simplificar a compreensão da temática na
discussão sobre um determinado assunto, mas na prática nem sempre é assim, o
que causa controvérsia e gera polêmica. Parece ser este o caso, quando tentamos
responder a essa pergunta.
A denominação "Sertanejo" sempre se referiu ao indivíduo que
vive no Sertão, especificamente, uma das quatro sub-regiões do Nordeste do
Brasil (Meio Norte, Sertão, Agreste e Zona da Mata), com clima semi-árido e
ambiente hostil.
A origem dessa expressão vem da época da colonização do Brasil, pelos
portugueses que, ao encontrarem uma região com características típicas dos
desertos, referiram-se à ela como um "desertão". Aos poucos, a
denominação sofreu variações lingüísticas regionais passando a ser usada a
expressão "De Sertão" e , com o tempo, apenas "Sertão".
Se levarmos em consideração somente esta explicação para
"rotularmos" o que é música sertaneja, então, poderíamos afirmar com
segurança que a primeira música sertaneja gravada é "O Luar do Sertão",
de Catulo da Paixão Cearense e João Pernambucano, composta no início dos anos
1910 e gravada, pela primeira vez no ano de 1914 por Eduardo Neves, pela
gravadora Odeon.
A partir de 1935 deixou-se de usar o artigo masculino e a música passou
a ser nominada simplesmente "Luar do Sertão".
Desde então, a toada sertaneja
ganhou os mais variados arranjos, tornou-se uma música popular e uma das
canções brasileiras mais regravadas em todos os tempos, por artistas célebres
dos mais variados estilos como: Vicente Celestino, Luiz Gonzaga, Maria
Bethânia, Chitãozinho & Xororó, Simone, Milton Nascimento, Pena Branca
& Xavantinho, Rolando Boldrin, Roberta Miranda, Tonico e Tinoco, Cascatinha
& Inhana, Zico e Zeca, entre outras dezenas de regravações, incluindo Ray
Conniff, Zezé di Camargo & Luciano, até o padre cantor Fábio de Melo.
Mas o assunto não acaba aqui.
Aliás, isto é só o começo da história.
O termo "sertanejo" ganhou outras conotações quando se trata
de "estilo musical" e, por convencionalismo, começou a ser usado também
para identificar "ritmos" musicais das regiões Centro-Oeste e Sudeste
do Brasil e, mais tarde, assimilando ainda as culturas sulistas do Brasil.
E mais além, chegando à Argentina e
Paraguai, quando foram incorporados tangos, boleros, xulas, chamamés,
guarânias, xotes, e muitas outras variações rítmicas.
Música Caipira
É hora de citarmos a música "Caipira", termo que identifica
ritmos musicais típicos das áreas rurais das regiões que englobam Minas Gerais,
Goiás, Matogrosso, Matogrosso do Sul, São Paulo e Paraná.
Tipicamente o estilo tem em suas características mais marcantes a
simplicidade de suas letras e linhas melódicas, geralmente interpretadas por
duetos que usam recursos vocálicos muito peculiares, entre eles os "falsetes"
em tons muito agudos.
Geralmente com arranjos e instrumentações simples, duas violas caipiras
ou uma viola e um violão *(...), em algumas regiões acompanhados de
"sanfonas" (acordeões ou gaitas), instrumentos regionais de percussão
comumente artesanais, "pios" (instrumentos de sopro feitos de madeira
que imitam sons de pássaros), até o próprio corpo como instrumento musical nas
palmas ritmadas e sapateados (como acontece no "Catira").
*(Em 1939, Raul Torres e Serrinha
foram os primeiros a cantar música sertaneja acompanhados de viola caipira e
violão. Também lançaram o primeiro programa de rádio dedicado à música
sertaneja, no mesmo ano, junto com José Rielli, em "os Três Batutas"
, pela Rádio Record AM 1.000 Khz.- São Paulo).
Foi na Semana de Arte Moderna de 1922 que o célebre escritor brasileiro
Mário de Andrade, um dos líderes do movimento modernista no Brasil, junto com
Oswald de Andrade, referiu-se à música "caipira" como "música
sertaneja".
Ritmo que já era heroicamente
defendida, desde os anos 1910, por Cornélio Pires que ganhava notoriedade cada
vez maior em suas apresentações pelo interior do Brasil e, agora, chegava aos
grandes centros urbanos, verdadeiros pólos culturais que ditavam os padrões de
comportamento, usos e costumes, de toda a sociedade brasileira, apesar de se
concentrarem principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo.
Cornélio Pires, natural de Tietê/SP, era jornalista, escritor,
folclorista e "humorista caipira".
Ganhando maior atenção dos grandes centros e com novo "rótulo"
de "sertaneja", a música "caipira" de Cornélio Pires ganha
força. Isso o impulsiona a procurar a Byintyon & Company, representante da
gravadora Columbia no Brasil, com a intenção de gravar o primeiro disco "sertanejo",
mas a idéia foi recusada pelos donos da empresa fonográfica que "mandaram
dizer" a ele que "música caipira não vendia discos".
Então, Cornélio Pires resolveu
bancar do próprio bolso a "prensagem" de cinco mil cópias, em discos
de 78 RPM (rotações por minuto), por um custo altíssimo.
Quando ninguém acreditava ser
possível, ele aparece na sede da gravadora com "dois sacos cheios de
dinheiro" e cobre toda a despesa.
Como exigência dele, seus discos
deveriam ter selos vermelhos para serem diferenciados dos discos da gravadora
que tinham selos azuis.
Contrariando todas as expectativas,
seu empreendimento vendeu todas as cinco mil cópias em apenas 20 dias.
Em pouco tempo vendeu mais de 300
mil cópias, algo impensável para a época.
Cornélio Pires pode ser considerado o primeiro produtor independente e
precursor das "Turnês Musicais", pois, graças às muitas apresentações
que fazia com sua "companhia de artistas", no chamado "Teatro
Ambulante", conseguiu disseminar a música "caipira", agora chamada
de "Sertaneja", por todos os cantos, dos grandes centros aos mais
longínquos rincões do interior dos estados das regiões Sudeste e Centro-Oeste,
principalmente.
A primeira gravação chama-se "Jorginho do Sertão", de Cornélio
Pires, interpretada pela dupla Mandi & Sorocabinha, no ano de 1929.
Outra gravação desta música é
atribuída à dupla Caçula e Mariano, no mesmo ano.
Ouça "Luar do Sertão" e
"Jorginho do Sertão"
Na programação da Rádio Rancho da Traíra, web rádio do Restaurante
Rancho da Traíra, de Mogi das Cruzes/SP, é possível ouvir "Luar do
Sertão", em várias versões e "Jorginho do Sertão", em versão
regravada em 1975 pela dupla Serrinha e Zé do rancho.
Quanto à pergunta: "Qual a primeira música sertaneja gravada no
Brasil?", o leitor desse texto pode tirar suas conclusões e responder de
acordo com sua própria convicção, independente das normas e convenções.
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